• “Triângulo eqüilátero. Geom. O que tem os três ângulos iguais.”
• “Triângulo escaleno. Geom. O que tem todos os ângulos e lados desiguais.”
• “Triângulo isóscele. Geom. O que tem dois lados e, portanto, dois ângulos iguais.”
(Tanto quanto sabemos, o uso do trema em “eqüilátero” não é facultativo; e os termos “isóscele” e “isósceles” são sinônimos.)
Examinar criticamente essa classificação constitui um bom exercício de Lógica elementar. Por exemplo, se estivermos interessados meramente em classificar triângulos, trataremos essas espécies como três classes mutuamente exclusivas. Mas se dermos atenção à arrumação dedutiva dos fatos, teremos que nos contentar com uma divisão mais grosseira, após uma análise mais cuidadosa das próprias definições. É o que veremos
Apesar de o Aurélio mencionar lados e ângulos, historicamente (desde os tempos de Euclides) essa classificação tem sido usada com referência a lados. Assim, partiremos das seguintes definições:
(1) Triângulo eqüilátero: O que tem os três lados iguais.
(2) Triângulo escaleno: O que tem todos os lados desiguais.
(3) Triângulo isósceles: O que tem dois lados iguais.
Indicaremos os lados de um triângulo genérico por (a ,b e c). Por “lado” entenderemos a medida da figura correspondente.) Por ordem de dificuldade (que, aqui, coincide com a ordem alfabética), traduziremos cada definição numa fórmula lógica na qual compareçam (nomes para) os lados, conectivos proposicionais e as relações = (igualdade) e (desigualdade.)
Triângulo equilatero
Este é o caso mais fácil. O primeiro impulso é dizer que um triângulo de lados é eqüilátero se, e somente se,
a=b=c.
De acordo com uma convenção geral para relações binárias, essa igualdade dupla é o mesmo que a conjunção
a=b e b=c
Não menos natural seria definir “eqüilátero” fazendo a conjunção de = aplicada a todas as combinações dos lados a, b e c tomados 2 a 2:
a=b a=c b=c
Contudo isso acrescenta informação redundante: com relação = é transitividade, a primeira conjunção já acarreta a igualdade
a=c.
Triângulo escaleno
Como exprimiremos a condição “todos os lados são desiguais”? Desta vez, a conjunção mais curta
a diferente de b , b diferente de c.
é insuficiente para dar conta de “todos os lados”. Isso porque a relação (diferente) não é transitiva (embora seja simétrica). Conforme notamos no artigo sobre conseqüência lógica (nesta Seção), de “a diferente de b ” e “b diferente de c” não é válido concluir “a diferente de c ”. Logo, temos que aplicar a relação às três combinações binárias dos lados. A tradução correta é a seguinte, que incorporamos no predicado Escaleno:
Triângulo escaleno :
Escaleno ( a,b,c)=a diferente de b , a diferente de c ,e b diferente de c.
Triângulo isósceles :o dilema
Segundo muitos autores modernos, um triângulo é isósceles quando tem dois lados iguais. O problema com essa formulação é a ambigüidade potencial da expressão “dois lados”, que pode significar:
• exatamente dois lados; ou• pelo menos dois lados.
A primeira interpretação é mais forte do que a segunda: se exatamente dois lados são iguais, então pelos menos dois lados são iguais — mas a recíproca é falsa. São duas interpretações logicamente distintas, embora não exclusivas. Qual delas devemos aceitar como definição de “isósceles”?
Para facilitar a discussão, vamos dar nomes a essas condições chamando-as de Isósceles1 e Isósceles2. Com isso, temos mais dois predicados ternários, assim definidos:
Isósceles 1(a,b e c)= (a=b a=c e b=c) (a=b b=c)
Isósceles 2(a,b e c )= (a=b a=c b=c)
Assim, o triângulo de lados a, b e c , satisfaz isósceles 1 (a,b e c)se, e somente se, possui exatamente dois lados iguais; se no mínimo dois lados forem iguais, então Isósceles 2(a,b e c) , e reciprocamente.
Triângulos isósceles: a melhor definição.
Uma definição é, inter alia, uma sentença verdadeira por convenção. Assim, desde que sejamos consistentes, podemos definir “isósceles” como Isósceles1 ou Isósceles2. Contudo, um critério comum para se preferir uma definição a outra é o da simplicidade. Em geral, deve-se optar por definições que simplifiquem os enunciados dos teoremas que as mencionem. Sobre o conceito de “simplicidade”, veja outro artigo desta seção.)
A generalidade é uma maneira de se conseguir simplicidade lógica. Sabemos que um modo de fortalecer um teorema consiste em enfraquecer sua hipótese. Assim, teoremas sobre triângulos isósceles serão mais gerais se tivermos uma definição mais geral de “isósceles” na hipótese. (Teoremas mais gerais têm mais força, são mais úteis, mas são mais difíceis de provar.)
Como exemplo, tomemos esses dois fatos inesquecíveis da Geometria:
Teorema do Triângulo Isósceles. “Em todo triângulo isósceles, os ângulos opostos aos lados iguais são iguais.”
Teorema do Triângulo Eqüilátero. “Todo triângulo eqüilátero é eqüiângulo.”
Um roteiro muito comum para apresentar esses teoremas é o seguinte:
• adota-se a definição ambígua de “isósceles”; • enuncia-se o Teorema do Triângulo Isósceles (talvez seguido de sua demonstração); • enuncia-se o Teorema do Triangulo Eqüilátero como um corolário (por duas aplicações do anterior).
Está claro que esse plano só funciona se “eqüilátero” for aceito como um caso particular de “isósceles”. Isso equivale a definir “isósceles” pela condição mais geral Isósceles2.
Podemos eliminar o termo “isósceles” do Teorema do Triângulo Isósceles e enunciá-lo assim:
Teorema do Triângulo Isósceles. “Se dois lados de um triângulo são iguais, então os ângulos opostos [a esses lados] são iguais”.
É interessante notar que, nessa forma, a mencionada ambigüidade parece inexistir, além de ressaltar que a conclusão não requer a igualdade de exatamente dois lados.
Em suma, do ponto de vista dedutivo, resulta mais simples definir “triângulo isósceles” como um triângulo com pelo menos dois lados iguais. Com essa definição , todo triângulo eqüilátero é isósceles; e um triângulo será escaleno se, e somente se, não for isósceles. Conforme ilustramos abaixo, essa definição acarreta uma divisão menos fina dos triângulos, pois ficamos com apenas duas — e não três — espécies exaustivas e mutuamente exclusivas.
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